Quatro
horas depois, porém, a prostituta foi encontrada morta no quintal de um sobrado
a 300 metros dali, no bairro de Whitechapel, Londres.
Tinha
a garganta cortada, o abdômen mutilado e alguns órgãos retirados. Jóias e as
moedas que acabara de receber estavam cuidadosamente colocadas ao lado do
corpo.
De
manhã, uma multidão foi às ruas reclamar a prisão do homem que andava cometendo
crimes horrendos como aquele, mas não houve resultado. Detetives e
historiadores ainda tentam, 130 anos depois, solucionar o mistério e descobrir
quem era Jack, o Estripador.
Sua
história está cercada de mitos e inspirou tantas outras que às vezes ficção e
realidade se misturam. O fato é que Jack (o nome lhe foi dado pela imprensa)
matou brutalmente pelo menos cinco mulheres (o número de vítimas pode chegar a
oito) em pouco mais de dois meses do outono de 1888, driblando a melhor polícia
do mundo da época, a Scotland Yard.
O
também chamado assassino de Whitechapel, o bairro periférico e pobre onde
cometeu os crimes, apavorou a população de Londres e expôs os problemas sociais
da capital do país mais poderoso do mundo no fim do século 19.
Todas
as mulheres mortas por Jack eram prostitutas que caíram na miséria. Uma veio do
interior, outra era alcoólatra, uma vinha de um casamento desastroso, outra era
acusada de pequenos roubos.
Documentos
da Scotland Yard e registros de óbitos guardados até hoje mostram que elas
morreram de forma bem parecida: estrangulamento, lesões cortantes na garganta e
mutilações por todo o corpo.
Tudo
foi cometido de madrugada, principalmente em feriados ou fins de semana. É
pouco provável que elas se conhecessem, apesar de todas terem sido assassinadas
com poucas quadras de distância umas das outras.
Londres
tinha então 3 milhões de habitantes e ostentava o luxo da enorme expansão do
Império Britânico e do desenvolvimento industrial.
Maior
cidade europeia da época, atraía imigrantes de toda a Europa, fossem judeus
empobrecidos ou germânicos expulsos da Alemanha por Bismarck (o
primeiro-ministro que uniu a Prússia aos povos germânicos e criou um novo
país).
A
maioria dos recém-chegados, assim como os operários mais pobres, ia parar na
boca do lixo da cidade. Em alguns mapas da época, as ruas imundas e apinhadas
de cortiços de Whitechapel aparecem marcadas em tinta preta, informando que
eram habitadas por "viciados e criminosos".
Há
uma polêmica envolvendo quem teria sido a primeira vítima de Jack. Uma das
hipóteses é a de que foi Emma Elizabeth Smith, uma prostituta de 45 anos que
foi atacada em 3 de abril de 1888.
Depois
de ser estuprada, ela desenvolveu peritonite - morreu um dia depois, no
hospital. Emma disse que havia sido agredida por três homens, um deles
adolescente.
Alguns
autores afirmam que ela foi a primeira vítima de Jack, o Estripador, enquanto
outros atribuem o assassinato a gangues sem qualquer relação com o serial killer.
Outra
hipótese a de que a primeira vítima foi Mary Ann Nichols, de 42 anos, morta no
dia 31 de agosto de 1888. Depois de abandonar cinco filhos e fugir de um
trabalho de empregada doméstica de onde roubou algumas mudas de roupa, Mary Ann
tornara-se prostituta.
Na
noite da morte, foi barrada na porta de uma pensão por não ter dinheiro para
pagar o quarto. Usava um gorro de palha e veludo amarrado no queixo, muito
comum na época, e um vestido de linho.
Foi
achada morta e mutilada em um beco a duas quadras do local onde parou para
conversar com uma amiga, a última pessoa que a viu.
Polly,
como ela era conhecida, só passou a ser considerada a primeira vítima de Jack a
partir de 1950, quando o caso foi analisado com métodos modernos de medicina
legal.
Especialistas
acham que a igualmente prostituta Martha Tabran, morta três semanas antes,
também tenha sido vítima de Jack. Além de sua ocupação, a hora, o lugar e tipo
da morte coincidem com os outros assassinatos.
Para
os moradores de Londres, porém, não fazia diferença. Por isso, quando Annie
Chapman apareceu morta no quintal de um sobrado, o medo e a insatisfação da
massa já saíram do controle.
Quem
mais sofreu com a revolta foram os imigrantes, vistos como os culpados pela
degradação dos costumes e o empobrecimento geral. Grande parte da população
acreditava que crimes tão horríveis só poderiam ser cometidos por loucos ou
estrangeiros.
Ou
as duas coisas. Pobres e abundantes em Whitechapel, os judeus foram os
primeiros suspeitos. Depois da morte de Annie, os moradores saíram em passeata
ameaçando e insultando os judeus, que passavam dias com as lojas fechadas e
evitando sair às ruas.
A
polícia fazia de tudo para achar o assassino e mostrar serviço. Cães
farejadores foram usados para encontrar Jack a partir do cheiro nas vítimas,
apesar de especialistas da própria polícia advertirem que eles não seriam
eficientes, tendo em vista que várias pessoas tinham se aproximado ou tocado
nas mortas nos locais de crime.
Até
mesmo uma ideia esquisita de um fotógrafo foi levada a sério. Ele propôs que se
fotografassem os olhos de Annie Chapman: seria possível reconhecer o assassino
pela imagem gravada na sua retina.
As
técnicas de investigação eram muito diferentes e, hoje, parecem engraçadas.
Mas, na época, se havia alguém com quem os londrinos poderiam contar, esse
alguém trabalhava na Scotland Yard.
O
suspeito-padrão dos investigadores era um médico ou barbeiro (profissionais que
têm habilidade com a faca), que morava em Whitechapel (capaz de se esquivar
pelas ruas escuras sem ser notado), era solteiro e tinha um trabalho regular (a
maioria dos crimes aconteceu na madrugada de feriados ou fins de semana).
Se,
além disso, fosse estrangeiro ou tivesse algum problema mental, detetives já
estariam na sua cola.
As
mortes, porém, continuaram. No dia 30 de setembro, foi a vez da prostituta
Elizabeth Stride, morta no início da noite. Uma pessoa chegou a ouvir seus
gritos, mas saiu correndo apavorada.
A
presença da testemunha, no entanto, surpreendeu o assassino, que não teve tempo
de concluir seu ritual de mutilação. Elizabeth sofreu apenas um corte de 10
centímetros na garganta e morreu numa poça de sangue.
O
crime interrompido não saciou a sede assassina de Jack. Uma hora depois da
morte de Elizabeth, outra prostituta, Catherine Eddowes, foi encontrada com a
garganta cortada, o abdômen e o rosto mutilados, sem um rim, uma orelha e os
ovários.
Além
disso, havia um recadinho numa parede próxima: "os judeus não são culpados
por nada". Para evitar mais um ataque aos judeus, a mensagem foi apagada
antes que os fotógrafos chegassem.
Mas
eles chegaram. O assédio da imprensa fez de Jack uma celebridade. Cerca de 600
cartas e bilhetes supostamente assinados por ele chegaram aos jornais e
delegacias de polícia à medida que as mortes avançavam.
Depois
do duplo homicídio, uma das mensagens foi levada ao alto escalão da Scotland
Yard. Supostamente endereçada à Central News (uma agência de notícias) três
dias antes da morte de Elizabeth e Catherine, a carta continha promessas do
assassino:
"no
próximo trabalho, eu vou tirar as orelhas das damas e mandar para os
escritórios da polícia". Foi o que aconteceu com a segunda vítima daquela
noite, Catherine.
Com
o indício de que a carta poderia de fato ser do assassino de Whitechapel, a
polícia contribuiu com sua parte para assustar a população.
A
fim de identificar a letra do autor, mandou imprimir a carta em jornais e
panfletos que foram distribuídos na rua. Veio daí o nome pelo qual o assassino
ficou conhecido.
Quem
assinava a mensagem era um tal "Jack, o Estripador". Há alguns anos,
porém, descobriu-se que a carta, na verdade, foi criada pela própria Central
News.
Além
da imprensa, muita gente aproveitou a onda de crimes para ganhar dinheiro. Na
manhã em que Annie Chapman foi encontrada morta, vizinhos organizaram excursões
a 1 centavo de libra para ver o local do crime a partir das janelas dos fundos.
Outro
centavo era cobrado, na avenida Whitechapel, para quem quisesse ver réplicas de
cera das vítimas. Um mendigo mais ousado criou uma técnica arriscada: afirmando
ser um dos suspeitos, ele extorquia os donos de bares para conseguir bebida
grátis. Preso, o homem teve que pagar sete dias de trabalhos forçados.
A
última morte foi a de Mary Jane Kelly, a mais nova das vítimas, com 25 anos.
Diferentemente dos crimes anteriores, Mary foi atacada no quarto onde atendia
seus clientes, no dia 9 de novembro. Longe das ruas escuras de Whitechapel, sem
se preocupar em ser flagrado, o assassino mutilou a retalhou a moça em mais de
100 pedaços.
A
crueldade das mortes continuou viva na memória da população. Os jornais se
encarregaram disso. Qualquer mulher morta na região era tratada pela imprensa
como vítima de Jack.
A
divulgação intensa do caso provocou reações ainda mais bizarras: outros
criminosos passaram a imitar o modus operandi do assassino de Whitechapel.
"Os
registros policiais atestam, no fim de 1888, uma enchente de ataques de
mentira", conta Philip Sugden, autor do livro The Complete History about
Jack The Ripper. Outras duas mulheres, Alice McKenzie e Frances Coles, foram
mortas provavelmente por imitadores.
O
fim das mortes não parou a investigação. Depois de interrogar centenas de
pessoas, a Scotland Yard se concentrou em três suspeitos.
Durante
70 anos, porém, os nomes ficaram confinados nos arquivos secretos da polícia,
que só divulgou os documentos em 1960.
Um ano antes, ao fazer um documentário sobre Jack, um repórter topou com a filha de um dos investigadores da época, Sir Melville Macnaghten, que procurou Jack de 1889 a 1903. Nos arquivos guardados pela filha, estavam as identidades dos três suspeitos.
Um ano antes, ao fazer um documentário sobre Jack, um repórter topou com a filha de um dos investigadores da época, Sir Melville Macnaghten, que procurou Jack de 1889 a 1903. Nos arquivos guardados pela filha, estavam as identidades dos três suspeitos.
O
número 1 da lista tríplice foi encontrado no último dia de 1888 boiando no rio
Tâmisa. Era Montague John Druitt, um advogado e professor da alta sociedade
londrina cujo escritório ficava a poucas quadras de onde ocorreram as mortes.
Quatro
pedras grandes nos bolsos do casaco indicavam que ele tinha se jogado no rio e
permanecido pelo menos um mês submerso, antes que seu corpo se soltasse e fosse
encontrado por um barqueiro do Tâmisa.
Filho
de um cirurgião, Druitt era tido como sexualmente insano (definição que servia
para enquadrar de homossexuais a pessoas que procuravam prostitutas).
Boatos
da época apregoavam que seus próprios familiares acreditavam que ele era Jack,
e que a polícia o tinha como suspeito antes de achá-lo morto no rio.
O
suicídio por arrependimento confirmaria sua culpa. Mas ele pode ter se matado
porque, no dia 30 de dezembro, foi demitido da escola em que lecionava.
Um
cabeleireiro judeu-polonês era o segundo da lista do detetive da Scotland Yard.
Solteiro de 24 anos, Aaron Kosminski morava em Whitechapel, foi dado como
principal suspeita anos depois e era conhecido por ter problemas mentais e ódio
a mulheres, mas todos o consideravam incapaz de atos violentos.
A
evidência mais importante contra ele é o testemunho de um caixeiro-viajante,
que o teria visto próximo ao local do quarto crime.
Aaron
acabou internado num hospício, onde morreu em 1919, sem jamais ser acusado de
crime algum. O terceiro da lista era outro estrangeiro, o médico russo Michael
Ostrog.
Considerado
um maníaco cruel com mulheres, sempre andava com seus instrumentos cirúrgicos
por Whitechapel. Mas não há nenhuma outra evidência contra ele.
Somente
15 anos depois dos crimes as autoridades londrinas descobriram o homem tido
hoje como o principal suspeito. Ao contrário dos outros, não há nenhum álibi a
seu favor nem nada que, 131 anos depois, possa retirar as acusações sobre ele.
Como
indícios, porém, há apenas histórias que se encaixam muito bem. Em 1903, o
polonês Severin Klosowsk, conhecido também por George Chapman e outros três
nomes falsos, foi condenado à forca por ter matado suas três mulheres aos
poucos, com doses programadas de arsênico.
Quando
montava o inquérito contra o envenenador de mulheres, um inspetor chamado
George Godley levou um susto ao perceber as semelhanças entre ele e tudo o que
se esperava de Jack, o Estripador.
Em
1888, Chapman tinha uma barbearia em Whitechapel e era solteiro. E mais: os
crimes cessaram quando ele se mudou para Nova Jersey, nos Estados Unidos.
Foi
quando crimes semelhantes aos de Jack ocorreram por lá, fazendo o jornal The
New York Times publicar manchetes como "os horrores de Whitechapel se
repetiram"
Existem
no mundo entre 200 e 300 ripperologistas (como são conhecidos os obcecados
profissionais em Jack The Ripper, como o assassino é chamado em inglês).
"E
centenas de milhares de pesquisadores amadores", conta o editor Stephen
Ryder, que disponibiliza na internet o acervo de documentos sobre o caso.
Os
ripperologistas se encontram anualmente para debater e mostrar seus achados.
"A toda hora descobrimos coisas novas", afirma Ryder.
Com
tanta gente em busca da mesma identidade, é comum surgirem novos suspeitos e
livros com títulos anunciando a solução do mistério.
Em
1993, o especialista no assunto Stewart Evans, autor do livro Ultimate Jack The
Ripper Sourcebook, apontou como culpado Francis Tumblety, um cirurgião que
odiava mulheres.
Tumblety
chegou a ser preso três dias depois da última morte, mas pagou fiança e decidiu
trocar Whitechapel por Nova York. Até aí ele seria apenas um suspeito comum.
O
problema é que, quando ele morreu, foram encontrados entre seus pertences três
anéis baratos, que poderiam ser um troféu pelo assassinato de Annie Chapman.
Um
outro livro do tipo mistério solucionado é Portrait of a Killer: Jack the
Ripper - Case Closed, da autora de livros policiais americana Patricia
Cornwell.
Depois
de gastar milhões de dólares com pesquisas à base das mais modernas técnicas
forenses do FBI, a polícia federal americana, ela concluiu que o verdadeiro
nome de Jack é Walter Richard Sickert, um pintor impressionista inglês.
Para
a escritora, o cenário de um dos quadros de Sickert seria muito parecido com o
da morte de Mary Kelly, a vítima assassinada dentro do quarto.
Outra
evidência está no papel de uma das cartas, que tem a mesma marca-d'água dos
papéis usados pelo pintor. Pouca gente, porém, avaliza a teoria.
"Analisando
centenas de cartas de remetentes que afirmavam ser Jack e mais uma centena de
documentos do pintor, qualquer um encontra alguma relação", diz o
ripperologista Ryder.
Apesar
de acreditarem que Aaron Kosminski seja o autor dos crimes, um erro no exame de
DNA que comprovaria a suspeita nega totalmente essa teoria. As investigações
sobre a identidade do assassino mais famoso da história continuam até hoje.
(Fonte: Aventuras na História)
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