Em
meio as múmias típicas, embalsamadas com cuidado e repletas de adornos,
encontrou um caixão incomum: liso e tosco.
Não
parecia o tipo de lugar em que um nobre egípcio gostaria de passar a
eternidade. A religião dos faraós só garantia a vida após a morte se o corpo
fosse preservado com carinho.
Mais
decoração e mais objetos no túmulo aumentavam as chances de conseguir uma
passagem só de ida para o além e de ter um padrão de vida elevado por lá.
Quando
Maspero abriu a tampa, a situação só piorou: o corpo era de um homem jovem, com
uns 18 anos. Ele estava embrulhado em pele de carneiro, considerada um material
impuro, proibido em rituais religiosos. Seus pés e mãos estavam amarrados, e
sua boca, aberta em um eterno grito fantasmagórico.
Múmias
comuns têm cortes no abdômen, por onde foram retiradas as vísceras – um dos
passos obrigatórios da mumificação. O “homem desconhecido E”, como foi batizado
friamente pelo egiptólogo francês, não tinha.
Ele
foi embalsamado no improviso, com estômago e tudo. A autópsia realizada no
século 19 chutou algumas explicações para sua boca eternamente aberta: ele pode
ter sido enforcado, envenenado ou enterrado vivo. Difícil de saber.
O
maior mistério, porém, era outro: por que um plebeu impuro, morto
violentamente, ganhou o direito de descansar em um lugar dedicado aos reis?
A
resposta só chegou mais de um século depois, com uma análise genética publicada
em 2012. O dito cujo tinha o cromossomo Y igualzinho ao do faraó Ramsés III,
que reinou por 31 anos, entre 1194 a.C. e 1163 a.C. De plebeu a múmia renegada
não tinha nada: ela era de um príncipe.
Foi
aí que a arqueologia e os registros escritos se casaram perfeitamente. Ramsés
III foi uma espécie de Júlio César do Nilo, vítima de um golpe armado por seu
filho, Pentawere, e sua segunda esposa, Tiye.
Problema
típico de família real: o filho que tinha direito a herdar o trono era o da
primeira esposa, e nem Tiye nem Pentawere curtiram essa história. Um papiro,
hoje armazenado em Turim, na Itália, conta o julgamento dos traidores, mas não
o desfecho do caso.
Sabe-se
que Ramsés III foi mesmo assassinado: sua múmia tem um corte no pescoço, que
alcança o esôfago e foi a provável causa da morte do faraó.
Também
se sabe que Amonhirkhopshef, o filho da primeira esposa, foi mais malandro:
tomou o trono antes que Pentawere completasse o golpe, e mandou capturá-lo.
Pentawere, por uma questão de honra, pode ter se suicidado antes da execução –
e é aí que entra o veneno ou o enforcamento.
É
claro que isso não responde tudo: ainda é preciso explicar como os serviçais do
rei permitiram que o traidor, depois de morto, fosse deixado em companhia de
seu pai.
É
por isso que arqueólogos ainda consideram teorias alternativas. Talvez o “homem
desconhecido E” fosse um militar célebre, morto em campanha em um país distante
e embalsamado com os materiais disponíveis por lá.
Afinal,
pele de carneiro pode até ser ruim, mas se o serviço for feito com a melhor das
intenções, dá para negociar uma exceção com os deuses. (Fonte:
Revista “Súper Interessante)
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